Um projeto em defesa da vida e da saúde

A 3ª edição da Expedição Recanto das Araras foi realizada dias 18 e 19 de outubro de 2019. O projeto da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) leva cuidados médicos e cidadania aos portadores de xeroderma pigmentoso (XP) do povoado de Araras, no interior de Goiás. A ação solidária da SDB acontece a cada dois anos, desde 2015, de forma voluntária, com foco preferencial no diagnóstico e tratamento dos casos de xeroderma pigmentoso. A doença rara é hereditária, não contagiosa e não tem cura. A causa do XP é uma mutação genética que deixa a pele extremamente sensível à radiação solar ultravioleta e mais suscetível ao câncer de pele.

Motivação humanitária

Ação humanitária

Nesta edição, um caminhão com tecnologia de ponta foi ao local equipado com microscopia confocal e fotofinder, além de dermatoscópios para fazer a identificação e retirada de tumores de pele com maior precisão. A unidade móvel de saúde contou com consultórios, salas de cirurgia e material cirúrgico. O atendimento mobilizou um time de 12 especialistas de vários estados (PE, GO, ES, MG e RJ).

Resultados

Durante dois dias, os especialistas da SDB acompanharam 16 pacientes com XP. Os voluntários realizaram 12 cirurgias e retiraram 40 tumores, sendo 32 cânceres de pele carcinoma basocelular e 8 cânceres de pele melanoma.

A equipe da SDB também operou outros 12 pacientes, ainda sem diagnóstico de XP. Foram removidas 16 lesões de câncer de pele do tipo carcinoma basocelular. A média de atendimentos da ação voluntária da SDB foi igual a das edições anteriores da Expedição Recanto das Araras I(2015) e II (2017).

A incidência de xeroderma pigmentoso em Araras é a maior do mundo. A proporção é de um caso para cada grupo de 40 pessoas numa comunidade de 800 famílias e população estimada em 3.400 moradores. Nos Estados Unidos e Europa a proporção é de um caso para um milhão de pessoas.

Os cuidados com a pele, através de medidas de proteção e a consequente melhoria da qualidade de vida das pessoas que convivem com a doença estão entre os resultados positivos da ação voluntária desenvolvida pela SDB e parceiros nos últimos cinco anos.

Desde que o trabalho dos dermatologistas foi intensificado em Araras, foram registrados apenas três óbitos decorrentes do xeroderma pigmentoso. Anteriormente, há relatos dos moradores de, pelo menos, 20 mortes de causas atribuídas ao XP na comunidade.

Parceiros institucionais

O mutirão de saúde e cidadania durante a 3ª edição da Expedição Recanto das Araras contou com a participação de 15 instituições públicas e não governamentais envolvidas na prestação de serviços médicos voluntários, inclusive de outras especialidades como oftalmologia, atendimento odontológico, assistência psicológica, jurídica e aconselhamento genético, além de atividades culturais, esportivas e de lazer.

Instituições envolvidas na ação: Sociedade Brasileira de Dermatologia (SDB), Laboratório La Roche-Posay, Grupo de Apoio Permanente aos Portadores de Xeroderma Pigmentoso (GRAPE), Associação Brasileira do Xiroderma Pigmentoso (ABRAXP), Hospital Geral de Goiânia (HGG), Laboratório Lames da Universidade Federal de Goiás (UFG), Federação das Indústrias do Estado de Goiás (FIEG), SUS, Secretaria de Estado da Saúde, Governo de Goiás, Prefeitura de Faina, Prefeitura de Matrinchã, Projeto Rondon, Editora Kelps e IDTECH.

A comunidade

Recanto das Araras fica na zona rural de Faina (GO), distante 40 km em estrada de terra da sede do município, no Noroeste de Goiás, a 250 km da capital do estado, Goiânia. Apesar de castigada pelo sol escaldante do Cerrado, diariamente, a comunidade é contemplada pela revoada das aves que dão nome ao povoado. A economia local é baseada na agricultura de subsistência e pecuária de pequeno porte. Algumas famílias moram na vila, onde se concentram poucos serviços. A maioria dos moradores vive espalhada em suas terras, totalizando 800 famílias. O distrito é praticamente isolado, tanto do ponto de vista geográfico como pelo preconceito contra quem convive com uma doença rara e estigmatizante. As pessoas com XP se refugiam em casa para se proteger do sol e muitas carregam no corpo e na alma as mutilações físicas causadas por cirurgias de câncer de pele e as marcas psicológicas da doença.

A principal característica de Araras é o alto grau de parentesco entre os moradores. Os casamentos consanguíneos foram favorecidos pelo isolamento geográfico, a segregação das pessoas com XP e a manutenção da propriedade entre as famílias. Os moradores de Araras têm sobrenomes diferentes, mas todos de origem em um mesmo tronco familiar que ocupa a região antes mesmo do surgimento do povoado na década de 1960. A combinação une forças e laços, enriquecendo os vínculos familiares. Já, do ponto de vista genético, os casamentos consanguíneos têm contribuído para uma longa de superação das famílias. A geração de filhos entre pais que têm a mutação genética com predisposição para o XP ajudou a manter o alto grau de incidência da doença na comunidade. A seguir, algumas das histórias de vida desse lugar:

Gleice Freire

Gleice Freire e o marido, Jarbas, são primos de quarto grau e carregam no DNA a mutação genética do XP. Nenhum dos dois desenvolveu a doença. O filho, Alisson Freire, apresenta os sintomas do XP desde a infância. Já Jéssica Freire, mais velha, não herdou o gene do xeroderma pigmentoso. Essa loteria levou a mãe a se dedicar a causa. Ela desencadeou uma luta incansável em prol da comunidade que há 10 anos ainda era desconhecida até dos dermatologistas. “Somos todos heróis. O que é raro para os outros, lá fora e o resto do mundo, é comum para nós. Nossa luta já resultou em ganhos, tanto em qualidade de vida como em ações científicas e médicas”, disse Gleice, presidente da Associação Brasileira do Xeroderma Pigmentoso (ABRAXP).

Alisson Freire

O adolescente Alisson Freire (16) é o paciente mais jovem de Araras com o xeroderma pigmentoso. Sua história de superação segue uma disciplina rígida e cheia de restrições desde a infância, quando surgiram as primeiras manchas na pele, para evitar o câncer e suas consequências. O adolescente cursa o 2º ano do nível médio à noite para não se expor ao sol no trajeto até a escola. Ele sonha com a cura da doença e pretende ser médico dermatologista especializado em xeroderma pigmentoso. Alisson fez o primeiro teste de DNA na comunidade e, aos seis anos, teve o diagnóstico que herdou a mutação genética dos pais. Mesmo com as limitações, Alisson tenta levar uma vida normal e se considera privilegiado em relação aos demais parentes que, no passado, não tiveram as mesmas oportunidades, cuidados médicos e medidas de proteção.

Lilian Freire

Em busca de tratamento para o XP, Lilian Freire (44), se mudou para Atlanta, capital da Georgia, nos Estados Unidos. Lá, descobriu que não havia cura para a doença, mas foi presenteada com o nascimento do filho, Barack Obama. O nome do garoto, hoje com 10 anos, foi uma homenagem ao então presidente americano. Ambos retornaram ao interior de Goiás e, enquanto a mãe convive com a doença, o menino, que herdou a mutação genética dela, não desenvolveu os sintomas do XP. Mesmo assim, a rotina de Barack é disciplinada e exemplar para as demais crianças da comunidade. A maior preocupação é sempre com a radiação solar nos horários das atividades fora do ambiente doméstico.

Vanda e Cláudia Jardim

As irmãs Vanda e Cláudia Jardim compartilham uma história dolorosa e de superação. Os pais não desenvolveram a doença, mas tinha a mutação genética e quatro dos sete filhos herdaram o XP, um deles já morreu acometido de graves lesões na pele. Cláudia (41) atribui as lesões no corpo ao trabalho braçal na roça, quando ainda era jovem, e às longas caminhadas sob o sol forte até a escola. Essa exposição excessiva à radiação ultravioleta resultou em muitos cânceres de pele. Vanda (44), também teve a mesma rotina no passado e contraiu câncer de pulmão, uma complicação a mais do XP. Ela faz um tratamento experimental. A medicação de alto custo ainda não foi regulamentada, mas estagnou a doença e há dois anos a paciente não precisou mais fazer novas cirurgias.

Deide Freire

Aposentado por invalidez, aos 50 anos, ele é um dos casos mais emblemáticos entre os pacientes com xeroderma pigmentoso, em de Araras. Deide leva uma vida resiliente e reclusa. As duas filhas adolescentes herdaram o XP, mas não desenvolveram a doença e cuidam do pai. Ele usa uma máscara sobre o lábio superior e o nariz, além de uma prótese no olho direito, também afetado pelo XP. As mutilações dificultaram até a voz de Deide, mas não o desejo dele de viver. O paciente também se submete ao tratamento experimental com uma droga fora de bula e comemora a redução das lesões na pele.

João Gonçalves

O mais antigo morador de Araras com XP é seu João Gonçalves da Silva (85) e, desde os cinco anos, quando a doença começou a se manifestar, ele tem lesões na pele. As mãos calejadas de uma vida inteira de trabalho no campo reforçam a rotina de exposição ao sol semelhante à de muitos contemporâneos dele na lida da roça. “A maioria não resistiu e morreu por falta de assistência e cuidados médicos no passado”, relata o aposentado ao lamentar a perda dos parentes que também tiveram XP quando ainda eram jovens. Ele contabiliza, ao menos, 20 pessoas da comunidade que teriam morrido com os mesmos sintomas da doença, quando ainda nem havia teste genético para o diagnóstico de XP.

Julimar filho

Julimar filho (24) é o único da família com diagnóstico de XP. Ele vive em Iporá (GO) com a mulher Katiuscia Santos (21) e as duas filhas. Valentia (4) e Vitória, de apenas quatro meses, são o xodó da família e simbolizam a história de superação do jovem casal apaixonado pela vida. A pele escura, normalmente mais resistente ao sol, no caso de Julimar não tem a defesa natural contra a radiação. Por causa do XP, ele sofreu mutilações no rosto e aguarda cirurgias reparadoras. A invalidez por causa da doença, fez do jovem e sorridente aposentado uma pessoa com rotina doméstica dedicada aos cuidados com a saúde, a esposa e as filhas.

A doença

O Xeroderma pigmentoso é uma doença genética, não contagiosa, que afeta igualmente ambos os sexos e é caracterizada por uma extrema sensibilidade à radiação ultravioleta dos raios solares. A doença afeta as áreas do corpo mais expostas ao sol como a pele e os olhos. Em pessoas com esse problema, após exposição à luz solar surge um “defeito” no reparo do DNA, com possibilidade da pele formar câncer cutâneo. Algumas pessoas com XP podem apresentar, também, problemas neurológicos. As chances de desenvolver XP são, segundo estatísticas norte-americanas e europeias, de 1 caso para 1 milhão. Como é uma patologia hereditária, há transmissão genética para familiares. O XP não se contrai por meio de contato físico, nem mesmo por contato com secreções como as gotículas dos espirros. Os portadores da doença podem compartilhar objetos e interagir socialmente, frequentando ambientes públicos, colégios, creches e local de trabalho, sem qualquer prejuízo a qualquer indivíduo, mas com extrema proteção solar.

Os sintomas
As lesões decorrentes do XP ocorrem nas áreas expostas à luz solar e, geralmente, iniciam-se nos primeiros anos de vida. A pele apresenta um número maior de sardas e manchas esbranquiçadas. Os olhos também possuem forte sensibilidade à luz.

O dano solar, quando o paciente não se protege com roupas, chapéus, óculos escuros e filtro solar, pode evoluir para lesões pré-malignas, entre elas, queratoses actínicas e malignas como o câncer da pele. Além disso, os pacientes podem apresentar maior incidência de tumores sistêmicos, quando comparados com a população em geral.

O tratamento
A doença é tratada por meio da remoção de eventuais tumores e terapias tópicas com medicações apropriadas. No aspecto emocional, é importante que portadores da doença tenham amigos e sejam compreendidos, pois não devem se abster do convívio social. Com as devidas medidas de fotoproteção e prevenção, podem e devem participar de todas as atividades da comunidade da qual fazem parte, recomenda a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SDB).

A prevenção
A prevenção, embora complexa, é possível. Para isso, deve-se evitar a exposição solar. Recomenda-se a proteção dos olhos com óculos apropriados (escuros e com filtro UV); uso de fotoprotetores com alto fator de proteção solar, várias vezes durante o decorrer do dia; proteção intensiva com roupas de manga longa e calças compridas, se possível com cores mais fortes. O uso de chapéu com abas é obrigatório para cobrir a maior área do corpo possível.

Também pode ser usado guarda-sol para caminhar na rua e, se possível mudar o "modo de vida", procurando ocupações com atividade noturna no trabalho e na escola com reposição via oral de vitamina "D", se necessário.

A vigilância em relação às formas pré-malignas e tumores de pele deve ser rigorosa, com a finalidade de tratamento precoce e acompanhamento sistemático, como precaução, de dermatologistas e cirurgiões dermatológicos para que possam precocemente tratar lesões cancerígenas.

O aconselhamento genético também faz parte da prevenção do XP. Evitar a geração de filhos a partir de casamentos entre parentes ajuda a fazer o bloqueio da mutação genética. É que, o gene relacionado ao XP fica “escondido” entre os pais e, quando se manifesta, em dose dupla, os portadores recebem uma cópia modificada do gene da mãe e outra do pai, o que pode levar ao desenvolvimento do xeroderma pigmentoso.

Os médicos

O presidente da Sociedade Brasileira de dermatologia capitaneou a caravana solidária até Araras. Segundo Sérgio Palma, o compromisso da SBD com os pacientes dermatológicos graves vai além dos consultórios. “Buscamos desenvolver estratégias para chegar até eles, levando o melhor do nosso conhecimento, com o acesso às mais modernas possibilidades de tratamento e diagnóstico. Certamente, fazemos a diferença e continuaremos a fazê-lo com o apoio de nossos sócios e de instituições parceiras que acreditam nessa proposta”, disse o presidente da SDB, Sergio Palma.

Depoimentos

Confira alguns vídeos com o testemunho dos participantes da ação social, que levou assistência qualificada aos habitantes da comunidade de Araras. Vídeos dos integrantes da Expedição Recanto das Araras III

De Araras para o mundo

O que se fala, faz e se vê em Araras tem sido registrado e documentado. Muito já se escreveu, filmou, falou e fotografou sobre o local e o xeroderma pigmentoso. Até um livro “Nas Asas da Esperança” relata a história de dor e resistência da comunidade de Araras. As expedições também deram mais visibilidade para o problema e, pela primeira vez, a comunidade recebeu a vista de um secretário de saúde do estado de Goiás.

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