Procedimentos estéticos invasivos só podem ser realizados por médicos



Procedimentos estéticos invasivos só podem ser realizados por médicos

25 de maio de 2018
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O caso da paciente Priscilla Aguiar, que realizou uma rinomodelação com ácido hialurônico, serve de alerta para a população. O procedimento realizado por biomédica, em Olinda, evoluiu com necrose de pele e agora uma série de tratamentos deverão ser feitos para recuperação dos danos. Apesar de aparente simplicidade, preenchimentos podem resultar em lesões de difícil reparação e deformidades.

A Sociedade Brasileira de Dermatologia alerta que procedimentos estéticos devem ser realizados apenas por médicos, que são profissionais habilitados para também tratar as eventuais complicações. Profissionais que não tenham a devida habilitação e autorização legal para a sua execução podem provocar  risco à saúde pública da população.

Leia matéria sobre o caso noticiada nesta sexta-feira (25/5) no O Globo
 

Preenchimento para corrigir marcas e envelhecimento pode causar cegueira e derrame

Debate sobre profissionais que podem usar ácido hialurônico já chegou à Justiça

 

RIO — A jornalista Priscilla Aguiar, de 32 anos, preparava-se para ir à Europa quando decidiu fazer um rápido procedimento estético no nariz, em Olinda. Em vez da esperada viagem, acabou internada por dez dias, por complicações causadas pelo preenchimento com ácido hialurônico. A substância, usada para tratar sinais de envelhecimento ou corrigir marcas no rosto, atingiu uma artéria que tem conexão com os olhos e o cérebro.

— Fui à clínica fazer um tratamento contra manchas e lá resolvi fazer a rinomodelação. No dia seguinte, em vez de melhorar, o nariz só ficava mais estranho. Mandei fotos para a biomédica e ela, através da secretária, disse para não apertar. No sábado (o procedimento foi feito quinta), começou a sangrar e a doer bastante. Ela disse para eu colocar gelo. No domingo, quando acordei, estava horrível. Fui para a emergência, e o resultado do exame deu necrose — lembra Priscilla.

No hospital, com o nariz necrosado, ela soube que correu o risco de perder a visão e sofrer um AVC. Uma dermatologista, convocada para a junta médica que a atendeu, aplicou uma enzima para quebrar o efeito do ácido. A partir dali, a jornalista foi colocada em uma câmara hiperbárica para acelerar a cicatrização, tomou antibióticos e recebeu alta. Agora, vai começar tratamento para cicatrizes, sem garantias de que se recuperará totalmente.

O caso de Priscilla não é isolado. Tido como seguro quando feito por profissionais habilitados, o preenchimento com ácido hialurônico tem potencial invasivo, e quem o faz deve conhecer anatomia da face, farmacologia e características físico-químicas do material utilizado. Isso, no entanto, nem sempre acontece.

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— As estatísticas com relação ao procedimento são mais de sucesso. Mas temos visto muitas complicações, e isso assusta. Não é algo banal ou simples de realizar. Nossa preocupação é alertar sobre qual profissional escolher. Há relatos frequentes de quem faz em salão de beleza. É uma injeção, não uma massagem. Cabe ao paciente escolher um profissional médico, primordialmente dermatologista — indica Luiza Guedes, coordenadora da área de Cosmiatria da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD-RJ).

Os especialistas ressaltam que o profissional, além de saber aplicar o ácido, deve ser capacitado para lidar com eventuais complicações. Para a dermatologista Lucila D’Amico Póvoa, o conhecimento da anatomia é fundamental:

— Deve-se saber exatamente qual caminho o ácido vai percorrer. Também temos que ter no consultório uma substância chamada hialuronidase, que anula o efeito do ácido hialurônico. Se houver a obstrução de algum vaso, a gente pode observar e aplicar o produto.

Priscilla, que fez o procedimento com uma biomédica, compartilhou o seu caso nas redes sociais, causando reação na classe. A presidente da Sociedade Brasileira de Biomedicina Estética, Ana Carolina Puga, defende que os biomédicos são capacitados e autorizados a realizar o procedimento. Ela diz, porém, que a entidade não indica a rinomodelação.

— É um procedimento estético de alto risco. Em caso de erro humano, as sequelas são irreversíveis. Nada será capaz de restaurar a anatomia original do nariz. Sempre recomendo ao paciente que, ao sinal de qualquer sintoma pós-procedimento estético, volte ao profissional, porque ele é apto a diagnosticar o problema e evitar maior complicação. Caso não consiga, ele vai indicar o tratamento necessário.

André Cervantes, membro titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, pontua que a rinomodelação não é um termo médico, que foi instituído pela “classe dos não médicos”:

— Somos receosos com essa técnica, já que a probabilidade de causar efeitos indesejados é bem grande. Usamos o ácido, na maioria das vezes, para correções pós-operatórias.

Os dados mais recentes da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica mostram que, em 2016, o número de procedimentos não cirúrgicos teve um crescimento de 79,15% em relação a 2014. A aplicação de toxina botulínica, o botox, teve aumento de 96,4%, seguido da técnica de preenchimento, com 89,5%. A banalização desses procedimentos, sem pesquisa prévia, preocupa Sergio Palma, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia:

— Há inúmeras doenças dermatológicas que devem ser identificadas antes de qualquer procedimento, como peeling ou botox, assim como as contraindicações, como ter doença autoimune.

O debate sobre quem pode ou não realizar o procedimento já chegou à Justiça. Em outubro de 2016, uma determinação judicial no Distrito Federal proibiu os biomédicos de realizar procedimentos comuns em clínicas de estética como botox, preenchimentos e peelings profundos. A decisão dá aval a uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para anular três resoluções do Conselho Federal de Biomedicina, com objetivo de limitar a atuação de biomédicos em técnicas consideradas invasivas. O Conselho Federal de Biomedicina entrou com recurso pedindo a suspensão da execução imediata da sentença. Enquanto a Justiça analisa o pedido, os biomédicos seguem autorizados.

NA JUSTIÇA

Segundo a advogada Melissa Areal Pires, a “judicialização” da questão começa em 2013, com a Lei do Ato Médico. Um inciso do artigo 2°, que estava no projeto de lei e acabou vetado, dizia que a “formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica” seriam “atividades privativas do médico”. Depois disso, explica Melissa, diversas entidades, como de biomedicina e conselhos de odontologia, passaram a emitir resoluções autorizando aqueles profissionais a formular diagnóstico e dar prescrição terapêutica.

— Profissionais de saúde começaram a identificar oportunidades. Quando os problemas começaram a surgir, em tratamentos que a medicina considera um ato dela, o Conselho Federal de Medicina começou a processar as sociedades de biomedicina, de odontologia. Eles entendem que essas autorizações colocam em risco a vida — explica. — A Justiça está decidindo conforme os processos tramitam. Muitas ações estão sendo julgadas.

A advogada afirma ainda que, conforme as decisões foram sendo concedidas, a Justiça começou a dar entendimento favorável aos médicos.

— Na dúvida, hoje, eu indicaria que procurasse um médico — aconselha a advogada. — O dentista ou outro profissional de saúde tem que ser honesto. Se naquele momento está proibido judicialmente de fazer aquele processo, ele tem que explicar isso para o paciente.

Em dezembro de 2017, uma decisão da Justiça Federal no Rio Grande do Norte, tomada após pedido da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, suspendeu resolução emitida pelo Conselho Federal de Odontologia pouco mais de um ano antes, que dava aos dentistas a permissão para fazer procedimentos como aplicação de botox e preenchimento com ácido hialurônico com fins estéticos. Caso a técnica precise ser aplicada para fins terapêuticos, não há proibição.

Segundo Flávio Luposeli, diretor científico da Sociedade Brasileira de Toxina Butolínica e Implantes Faciais na Odontologia, por enquanto os dentistas não podem fazer uso de preenchedores e toxinas em áreas cuja região anatômica tem finalidade exclusivamente estética, como o músculo da testa e nariz.

— O que está dentro do sistema que envolve músculos, articulações, dentes, lábios, língua, mandíbula e maxilar é permitido. Ou então não podemos mais exercer a odontologia. O conselho fiscaliza e pune quem vai contra a lei — diz ele.





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